Mom&Pop(TM) - o falecimento de Marian Rhoda (Burns) Hall

(Tradução de Cesar Brod e Joice Käfer do texto original de Jon maddog Hall)

Papai e Mamãe - Mom&Pop(TM) - casaram-se em Trenton, Nova Jersey, no dia 27 de junho de 1942. Papai tinha 21 anos e era recém egresso da Escola de Aeronáutica de Luscombe, ao norte de Nova Iorque. Mamãe formou-se no programa de administração de empresas do ensino médio de Nova Jersey e tinha recém completado 19 anos. Assim teve início uma história de amor de 60 anos.

Eles mudaram-se para Baltimore, em Maryland, para participar da construção de aviões na fábrica Glenn L. Martin, junto ao esforço americano para a segunda guerra mundial. A borracha necessária para a fabricação de pneus de automóveis era um sonho e, portanto, eles iam de bicicleta para o trabalho. Sem ter dinheiro para comprar móveis, eles dormiam em sacos de dormir, no chão, até que puderam comprar uma cama. Mas assim que puderam ter sua cama eles a dividiram por mais de 60 anos, com exceção de uma semana em que Papai saiu em uma viagem de negócios e outra em que ele esteve internado em um hospital.

Cerca de um ano após a aquisição da cama, nasceu meu irmão Ralph. Eu cheguei quase oito anos depois. Mamãe tinha adoração por Papai. Não há outra palavra para isso. Em sua cabeça, ela existia com o único propósito de cuidar dele. Ela o via não apenas como o principal ganha-pão da casa mas também como o chefe da família que tinha a palavra final em tudo. Quando Papai ganhava dinheiro em seu trabalho, não era o “nosso dinheiro”, mas “o dinheiro dele”. Claro que Papai não tinha a mesma percepção e quase tudo o que Mamãe desejasse ele sentia-se feliz em comprar para ela, mas este conceito que Mamãe tinha a levou a trabalhar em lojas de presentes, na cafeteria da escola e outros trabalhos de balconista assim que meu irmão e eu tínhamos idade suficiente para a escola primária. Estes trabalhos permitiram a Mamãe o “dinheiro maluco” que ela podia gastar em “suas coisas”.

Isto não quer dizer que Papai fosse uma pessoa dominadora. Muito ao contrário. Papai nunca tomou uma decisão importante sem consultar Mamãe. Eles eram um time.

Comprar um carro? Papai escolhia o fabricante e o modelo, Mamãe escolhia a cor e tinha o poder de veto. Mamãe (por alguma razão) nunca gostou de camionetes e, por isso, Papai nunca teve uma. Papai gostava do câmbio manual mas Mamãe nunca aprendeu a mexer na “alavanca de marchas”. Assim, nossos carros sempre tiveram câmbio automático.

Papai cuidava dos carros. Certa vez, ele desmontou um motor completamente, limpou-o, trocou as peças gastas e remontou-o novamente sem que nenhuma peça sobrasse ou faltasse e sem qualquer manual. Mamãe, até onde sei, jamais colocou gasolina em um carro em toda a sua vida. Era trabalho de Papai manter o tanque cheio e o óleo em dia. “Eu apenas entro no carro, dou a partida e sigo adiante!” era a filosofia de Mamãe com relação a isto.

Comprar uma casa? Papai procurava aquelas que eram bem construídas, tinham pouca necessidade de manutenção e que estivesse dentro das suas posses. Mamãe tinha o poder sobre a decoração interna (especialmente a da cozinha), a cor dos quartos e quando seriam pintados e outras questões “domésticas”. Ambos trabalhavam no quintal, mas enquanto Papai cortava a grama e revolvia a terra, mamãe plantava flores e arrancava as ervas daninhas.

Mamãe era a artista da família. Ela pegava flores de plástico assim que eram fabricadas e as utilizava em todos os tipos de arranjos. Ela fazia bonecas para meninas e era a principal força na decoração para os feriados. “Os guris” não ligavam para a decoração, o que a frustrava mais do que apenas um pouco.

Papai construía coisas de metal e madeira. Ele seguia planos. Ele trabalhava em uma fábrica de brinquedos e eu o ajudava na montagem das coisas. Foi daí que nasceu meu amor por coisas mecânicas e elétricas. Mamãe não era uma pessoa técnica... todas as habilidades que eu tenho nesta área eu herdei de Papai. Assim, quando eu tentei descrever meu trabalho escrevendo programas de computador, Mamãe esforçou-se um bocado para entender mas, ao final acabou dizendo “Isto é legal”. É claro que a época era outra e as pessoas não tinham computadores em suas casas. Tudo o que Mamãe havia visto eram fitas magnéticas girando e cartões perfurados passando por uma máquina de ordenação em um programa de TV que tentava explicar ao público o que era um computador. Mamãe e Papai visitaram-me em meus vários empregos com o passar dos anos. Eles foram até Hartfort, em Connecticut, onde eu trabalhava em grandes (para a época) mainframes da IBM e onde, mais tarde, lecionei ciências da computação na Faculdade Técnica Estadual de Hartford. Eles conheceram os estudantes lá e, é claro, os estudantes os adoraram.

Já expliquei que Mamãe e Papai - Mom&Pop(TM) - eram um time. Com frequência eles iniciavam conversas com pessoas totalmente desconhecidas. Papai perguntava no que eles trabalhavam. Mamãe perguntava sobre suas famílias e a conversa seguia por horas e horas. No final da conversa, os desconhecidos percebiam que Mom&Pop(TM) sabiam um monte de coisas sobre eles mas, eles mesmos, sabiam praticamente nada daquele casal simpático. Mom&Pop(TM) faziam isto por nenhuma razão especial outra que gostar de pessoas, estarem interessados nelas e terem prazer em conversar. Esta atividade deles, claro, me deixava envergonhado até que eu completasse 12 anos de idade.

Quando eu tinha 12 anos, estávamos visitando o museu ferroviário próximo a Bloomsburg, PA, e Mom&Pop(TM) decidiram esperar na cafeteria enquanto eu explorava o museu. Voltei cerca de uma hora depois e vi Mom&Pop(TM) mais uma vez “alugando os ouvidos” de um homem na cafeteria. Envergonhado, sentei-me à mesa junto com os três. Quando, eventualmente, sintonizei a conversa, entendi que o homem com quem conversavam era o dono do museu! Após alguns minutos ele olhou para mim e disse “Garoto, você gostaria de um passeio pelo museu olhando coisas que nós não podemos mostrar a todas as pessoas?” Claro que eu gostaria! Eu e ele fomos ver locomotivas a vapor que estavam sendo consertadas, velhos vagões em restauração, e muitas quinquilharias ferroviárias que ainda não estavam em exibição.

Depois disto, o passatempo de “colecionar pessoas” de meus pais nunca mais me incomodou... Na verdade, eu mesmo passei a cultivar este passatempo, sem jamais superar Mom&Pop(TM) em seu exercício. Eles eram profissionais! E a cada vez em que eu os apresentava a meus amigos eles roubavam a cena. As mulheres diziam que eles eram “uma gracinha”. Homens concordavam. E as crianças se maravilhavam. Eu era o “segundo violinista”, mas sempre ficava feliz em ceder-lhes meu espaço e observá-los em seu passatempo.

Depois de dar aulas na faculdade em Hartford, fui trabalhar na Bell Laboratories e, finalmente, na Digital Equipment Corporation (DEC). Foi na DEC que Mom&Pop(TM) ganharam a reputação de representarem o “padrão de usuários domésticos de computadores” em um artigo clássico que escrevi detalhando a amplitude de trabalho a ser feita no Unix antes que ele pudesse ser usado em um computador de mesa. Mom&Pop(TM) tornaram-se imediatamente famosos e tiveram até sua imagem capturada no projeto Usenix Facesaver ao visitar o evento em 1989. Disseram-me (mas eu nunca verifiquei isto) que a Universidade de Maryland usou meu artigo e meus pais como exemplos em seu curso de Projeto de Interfaces Humanas. Eu continuo a usar Mom&Pop(TM) como exemplo do “padrão de usuários domésticos de computadores”, aqueles que não sabem (e não deveriam precisar saber) como um computador funciona. O usuário médio apenas quer que o computador faça “coisas simples” para ele.

Muitos anos se passaram até que Mom&Pop(TM) finalmente tivessem um computador doméstico e, depois de usá-lo por muito tempo, Mamãe começou a entender o que era um “programa” e que criá-los (de certa forma) era o meu meio de vida. Ela ficou muito orgulhosa, quando voltei para casa para uma visita, ao dizer-me “Jon, finalmente entendo o que você faz para viver”. Naquela época eu havia parado de escrever software, a não ser para o meu próprio uso. Eu estava profundamente envolvido na promoção do conceito de Software Livre e de Código e, assim, respondi para ela: “Mamãe, eu não escrevo mais programas... Agora eu vendo Software Livre!” Ela cuidadosamente pensou sobre o que eu havia dito por alguns minutos e, então, disse: “Isto é bacana”.

Mamãe era uma pessoa muito literal. O que ela falava era o que acreditava. Uma mulher de palavra, ela foi também a principal disciplinadora da família enquanto nós crescíamos. Papai frequentemente tinha dois empregos, trabalhando no “turno noturno” a maior parte da sua vida. Assim, eu e meu irmão apenas o víamos nos finais de semana. Quando nos comportávamos mal minha mãe nos corrigia e, caso não a atendêssemos, era comum ouvirmos o tradicional “espere até que seu pai chegue em casa!”. Naquele momento, já era tade. Nenhuma quantidade de pedidos de desculpas impediria o inevitável. Com o tempo, nós ajustamos o ponto exato onde começaríamos a nos comportar antes da tradicional frase ser enunciada.

Mas a natureza literal de Mamãe permitiu aos três “guris” (incluindo meu pai) iniciar seus “contos fantásticos” durante o jantar. Isto atingiu seu momento máximo quando meu irmão estava na Marinha e voltava para casa com histórias de suas viagens para terras distantes, embarcado em um navio. Ele iniciava sua narrativa sobre as pessoas nativas nos vários portos em que desembarcava e, mesmo com a história começando calmamente, logo elas começavam a extrapolar os limites da imaginação, com meu irmão disfarçadamente piscando para Papai e para mim, mas mantendo Mamãe presa a cada palavra. No final da “história”, Mamãe soltaria em um suspiro a palavra “Verdade?” Meu irmão e eu explodíamos em uma gargalhada e dizíamos “não”. Então (com toda a família rindo sem parar) ela ficava muito brava.

Mom&Pop(TM) encorajavam seus filhos a serem independentes e viverem suas próprias vidas. Enquanto minha avó materna viveu com nossa família até morrer, meus pais haviam decidido que meu irmão e eu deveríamos ser livres para irmos para onde precisássemos e fizéssemos o que tivéssemos que fazer. Enquanto eu viajava pelo mundo eu sempre enviava cartões postais, que minha mãe guardava em uma caixa, e trazia para ela pequenas lembranças que ela espalhava como enfeites pela casa.

Eles planejaram seu futuro até o final, incluindo os lares de aposentadoria e asilos nos quais viveriam, assim como o serviço funerário que deveriam receber. Suas lápides foram preparadas anos antes deles precisarem delas, com tudo gravado nelas com exceção da data final.

No crepúsculo de seus anos, Papai tornou-se cada vez mais dependente de Mamãe. Sua diabetes piorou e foi Mamãe quem ficou responsável por suas leituras de glicose, administrar sua insulina e fazê-lo alimentar-se corretamente. Com o tempo percebeu-se que o mal de Alzheimer de Papai tornaria impossível para Mamãe cuidar dele da forma como gostariam e, então, Mamãe e Papai executaram seu plano de ir para um asilo onde teriam a devida assistência. É claro que a família os visitava sempre que possível, mas os dois continuaram a cuidar um do outro o tanto quanto possível, com Mamãe ainda se atordoando com o homem que amava. Em todo o asilo as pessoas sempre falavam bem de “Mom&Pop(TM)”.

Tristemente, a data final para a sua lápide havia chegado. Em quatro de março de 2011 Mamãe sofreu um ataque cardíaco massivo. Mesmo que ela não tivesse dor, ela sentia-se fraca e com tonturas e deu entrada no hospital. Inicialmente, nós pensávamos que ela iria se recuperar, mas um eletrocardiograma na segunda-feira passada mostrou o quão forte havia sido seu ataque. Papai, a quem havíamos protegido das notícias, foi levado ao hospital para ficar ao lado de Mamãe de forma que os dois pudessem passar mais algumas horas juntos, apenas de mãos dadas. Nas primeiras horas do dia sete de março, dois meses antes de seu 69.o aniversário de casamento, Mamãe morreu.

Não importa o quanto você se prepara para este evento, a morte de sua mãe é sempre um choque, independente do quão forte você queira parecer, as lágrimas ainda irão rolar. Muitos de nós acreditávamos que meu pai morreria antes da minha mãe, mas após pensar nisto, as coisas aconteceram como tinham que ser. Mamãe foi preparar o caminho para que Papai se juntasse a ela, como ela sempre fez antes.

11 de março de 2011
Jon maddog Hall



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