Contos da época do computador à lenha - parte 5

Em julho de 1985 casei-me. No final do mesmo ano eu me mudaria para Porto Alegre, sonho constante de todo o gaúcho desterrado. Gaúcho é bicho muito esquisito: longe de sua terra, quer sempre voltar. Enquanto não volta, cerca-se de elementos familiares como discos do Kleiton & Kledir, o livro Contos e Lendas do Sul, do Simões Lopes Neto, o onipresente chimarrão e, claro, outros gaúchos e gaúchas com os quais compartilha o amargo e a saudade. Minha mulher estava grávida de nossa primeira filha, a Natália, que acaba de completar 22 anos.

A empresa onde eu trabalhava, a BASF, acabara de vender quatro "strings" de discos rígidos para o Banco do Brasil, em Porto Alegre. Como precisavam de alguém para cuidar da instalação, candidatei-me e, obviamente, como o pessoal do Castelo de Greyskull (assim chamávamos a sede do setor de produtos para processamento de dados da empresa) já não agüentava mais ouvir-me cantando, repetidas vezes, "Deu pra ti, baixo astral", fui devidamente despachado de volta às minhas origens.

Cuidar da instalação de discos do Banco do Brasil era um trabalho ao mesmo tempo tranqüilo, mas de muita responsabilidade. A qualquer momento meu bip, mais adiante chamado pager, podia tocar e eu tinha que correr para lá e resolver algum eventual problema. O engraçado é que o aparelhinho passava quieto boa parte do tempo, mas sabia escolher as horas mais impróprias para tocar. Por isso demoramos a ter nossa segunda filha, provavelmente. Nos tempos em que não tocava eu estudava muito e planejava maldades para aplicar aos estagiários do CPD do banco, especialmente junto a meu contraparte da Fujitsu, o saudoso Rubens "Cascatinha". Mas todo o resto da turma colaborava!

Além das pegadinhas clássicas, como a de fazer o pessoal "carregar" uma bateria, efetivamente fazendo o sujeito andar de um lado para o outro com ela; ou a de fazer o pessoal tirar o ruído magnético das fitas de rolo, fazendo-os esticar metros e metros das mesmas e limpá-las com algodão, nós ousávamos em pegadinhas muito modernas para o tempo. As melhores envolviam o Rubens fazendo-se passar por médico e eu por seu assistente. O Rubens usava um avental branco, parte do uniforme da Fujitsu e, claro, também portava um bip. E tinha pose!

Quem é do meu tempo lembra que as unidades de leitura e gravação de fitas "open-reel" pareciam uma grande geladeira, com uma porta de vidro na parte superior que deslizava na vertical selando hermeticamente as fitas dentro da unidade. O mecanismo que mantinha a fita encostada nas cabeças de leitura e gravação era pneumático, por isso a necessidade de manter esta porta de vidro fechada durante o seu uso. Pois bem, a gente fazia o infeliz incauto subir em um banquinho e encostar o peito no vidro fechado. Dávamos um comando na console, o vidro abria. Mais outro e ele fechava. Estava tirada a chapa do pulmão que seria revelada para análise posterior. Eu havia dado para o Rubens uma radiografia real dos pulmões do meu avô, um exemplo de avô com um péssimo exemplo de pulmão. A análise da radiografia, invariavelmente, exigia que o estagiário passasse para o próximo estágio, o bioritmo.

Essa era a parte mais legal. O Rubens, com uma cara de preocupado, fazia o assustado guri, que até então considerava-se um exemplo de saúde, segurar a ponteira de um osciloscópio. O aparelho registrava uma senóide, resultado da captação dos 60Hz da corrente elétrica e vários outros ruídos. O falso médico olhava para aquilo e só dizia "Hmmm... Hmmm...", com uma expressão cada vez mais consternada. Nesse momento, muitos já haviam listado tudo o que haviam fumado e bebido até então. O Rubens ouvia o estagiário e apontava um ponto qualquer da senóide: "Está vendo essa ondulação aqui? Olha, nada com o que tu devas te preocupar no momento, mas teu bioritmo claramente demonstra tendências homossexuais... Tu tens o telefone dos teus pais? Precisamos urgentemente comunicar tua família..."

Com o estagiário mudo, olhos arregalados, contávamos que tudo não passava de um trote. Para nós, era sempre muito divertido. Pra gurizada, nem sempre. Ainda mais porque, depois de revelada a pegadinha, o Rubens sempre completava: "Mas olha, a parte da tendência, isso eu não inventei... Foi o bioritmo que mostrou!", e entrava de volta para a sua sala sem chance de novas perguntas ou comentários.

Abraços pra toda a turma que trabalhou comigo no CESEC do Banco do Brasil, lá no bairro Anchieta, em Porto Alegre! Pro Rubens, lá no céu, também!

Artigo produzido para o Dicas-L



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