Por quê e como você criou o Scrum - entrevista de Jeff Sutherland a Kenji Hiranabe

Kenji Hiranabe é o fundador e presidente da Change Vision Inc, empresa que fornece ferramentas que integram mapas mentais e UML para o desenvolvimento de software. Kenji é, também, figurinha carimbada no universo dos métodos ágeis e, em especial, do Scrum. Ele está, neste momento, escrevendo um livro em parceria com Ikujiro Nonaka que, junto com Hirotaka Takeuchi, é considerado o padrinho do Scrum. A entrevista abaixo, concedida por Jeff Sutherland, criador do Scrum, para Kenji será parte integral deste livro, “Agile and Scrum: Collaborative Software Development That Connects Customers, Engineers, and Management" (Métodos Ágeis e Scrum: Desenvolvimento Colaborativo de Software que conecta Clientes, Engenheiros e Gestores). Kenji gentilmente permitiu a tradução desta entrevista para os leitores em língua portuguesa.

Kenji: Muito obrigado por condeder-me esta entrevista, infelizmente através do skype. Eu acabei falhando em nosso encontro na semana passada quando você foi buscar-me no hotel. Sinto muito por ter feito esta confusão na minha agenda achando que a reunião aconteceria na semana seguinte!

Jeff: Sem problemas! Mas você perdeu um passeio no meu Tesla Roadster!

Kenji: Puxa! Que lástima! Mas tudo bem, vamos começar agora com essa pergunta: primeiramente, por quê você criou o Scrum? Qual foi a sua principal motivação?

Jeff: Inspirei-me, inicialmente, com o que o Accion estava fazendo na área financeira. A Accion é um banco especializado em micro empréstimos, assim como o banco Grameen em Bangladesh, fundado pelo professor Muhammad Yunus. Eles emprestam uma pequena quantidade de dinheiro para grupos de pessoas pobres que tocam pequenos negócios. O dinheiro pode ser usado para comprar um carrinho de frutas usado para fazer vendas em um bairro, ou uma máquina de costura para uma pequena confecção. No começo, comprar a quantidade necessária de alimentos pode ser o principal objetivo para se desenvolver um pequeno negócio. Depois disto, roupas são importantes para as pessoas pobres pois, sem roupas, as crianças não poderão frequentar a escola. O empréstimo de uma pequena quantidade de dinheiro para as pessoas pode tirá-las fora da pobreza. Dê uma pequena quantia de dinheiro para um grupo de pessoas que a vida delas poderá mudar dramaticamente. Enquanto eu participava, como voluntário, do conselho presidente do Accion percebi, em meu trabalho remunerado que os desenvolvedores de software tinham problemas similares aos das pessoas pobres da América do Sul. Eles tinham dinheiro suficiente, mas nunca software suficiente. Eles estavam quase sempre atrasados em suas entregas e a qualidade era baixa. Como resultado disso eles estavam sob constante pressão por parte de seus gerentes e sentiam-se como se fossem cidadãos de segunda classe. Isto foi o que primeiro conscientizou-me a criar uma nova e melhor maneira de produzir software.

Kenji: Quando foi que você começou a pensar em maneiras de tornar o mundo um lugar melhor?

Jeff: Quando eu trabalhava na EASEL eu liderei um pequeno grupo que desenvolvia um novo produto que substituiria os produtos de linguagem de quarta geração da empresa. A equipe de desenvolvimento estava sempre sob pressão, os gerentes sempre nervosos e os clientes nunca estavam felizes. O Jeff McKenna era um consultor na equipe e nós estávamos sempre pensando nas razões pelas quais estas coisas aconteciam e em como melhorar a vida para os que estavam trabalhando. Então descobrimos que a organização do trabalho era o problema. A gestão é, normalmente, hierárquica e conduzida através de comando e pressão por controle. A lei de Conway diz que a estrutura do software segue a estrutura da organização que o produz. Tínhamos a preocupação que nossos grandes clientes, como a Ford, iriam utilizar nosso produto de maneira errada e, assim, tentamos encontrar uma forma “orientada a objetos" para organizar a equipe.

Kenji: Aí você começou o “jeito Scrum" de organizar a equipe?

Jeff: Na verdade, não. Primeiro formamos uma equipe com base na experiência que eu tive na Bell Labs e no Media Lab do MIT. Pequenas equipes, sem uma descrição especializada de trabalho, eram críticas para a produtividade durante uma década de pesquisa na Bell Labs. No Media Lab do MIT a entrega de software muito legal em intervalos de poucas semanas era uma obrigação, ou seu projeto seria morto. Assim nós montamos uma equipe pequena com uma descrição única de trabalho para todos os seus componentes: “Membro da Equipe Técnica"; da mesma forma que era feita na Bell Labs. Criamos um Sprint mensal com uma demonstração funcional na reunião de revisão do Sprint ao final do mês. E então começamos uma extensa pesquisa. Estudamos a literatura relativa ao desenvolvimento de software e negócios onde a produtividade era mais de cinco a dez vezes acima do normal. Depois que a equipe havia lido centenas de artigos sobre trabalho em equipe e produtividade nós encontramos um dos mais importantes artigos para a nossa nova maneira de produzir software — “The New New Product Development Game" de Takeuchi e Nonaka. Quando encontramos o artigo todos nos convencemos de que era ele que estávamos procurando, descrevendo a maneira pela qual uma equipe deveria ser formada e gerenciada: a ideia de uma nova estrutura que fosse auto-organizada, ao invés de hierárquica. Nós tínhamos ciência de que uma estrutura com organização hierárquica, micro-gerenciada, tornava a equipe lenta. Decidimos usar um modelo esportivo no qual um time se auto-organiza para vencer.

Kenji: Como você colocou isso em prática?

Jeff: O desenvolvimento da equipe, com a incorporação das ideias de Takeuchi e Nonaka, completou-se no final de 1993. O primeiro sprint do Scrum começou em janeiro de 1994. A equipe decidiu chamar o líder da equipe de Scrum Master e usar um modelo de funcionalidades cruzadas. Mas isto não foi bom o suficiente para causar uma mudança dramática em nossas vidas.

No segundo sprint, em fevereiro de 1994, nós adicionamos a reunião diária do Scrum (Daily Scrum Meeting) e isto teve um excelente resultado. Na época eu li o artigo de Jim Coplien (reimpresso em “Organizational Patterns of Agile Development", com slides aqui) que havia feito a auditoria da Bell Labs no desenvolvimento do software Quattro Pro da Borland. A equipe, formada por oito pessoas, era 50 vezes mais produtiva que uma equipe da Microsoft. Oito desenvolvedores da Borland equivaliam a 400 desenvolvedores da Microsoft. Usando as ideias do Jim eu aprimorei a reunião diária do Scrum, reduzindo seu tempo para quinze minutos e criando as questões que devem ser discutidas por todos os membros da equipe.

No terceiro sprint a produtividade aumentou em 400%, comparada com os dois primeiros. Isto surpreendeu a todos, quando completamos o trabalho de um mês em uma semana. Isto aconteceu porque cada um da equipe passou a questionar o trabalho dos outros. Cada pessoa estava trabalhando no item que maximizaria o desempenho da equipe? Cada um poderia ajudar o outro a terminar seu trabalho mais rapidamente? O trabalho que originalmente levava dias foi reduzido a poucas horas no trabalho em pares.

Kenji: Posso dizer, então, que o artigo de Takeuchi e Nonaka foi o que causou o principal impacto em seu trabalho?

Jeff: Sim. Eu diria que o artigo de Takeuchi e Nonaka foi o catalizador de toda a teoria de fundo na nossa formalização do Scrum.

Kenji: E como o Scrum torna o mundo um lugar melhor?

Jeff: Pesquisas atuais mostram que mais de 65% das pessoas estão infelizes em seu trabalho. Elas sentem que estão sendo mal gerenciadas, que têm pouco controle sobre seu trabalho, que não possuem criatividade e que tudo isso diminui sua produção e faz com que a qualidade do que fazem seja baixa. Penso que se as pessoas pudessem tomar a responsabilidade por suas próprias vidas, participar da definição de seu foco, elas encontrariam o poder para as suas vidas, a criatividade em seu trabalho e o entusiasmo em trabalhar com outros na produção de grandes coisas. O custo dos produtos diminuiria pelo fator de uma dezena, permitindo que mais pessoas no planeta adquiram as coisas que precisam. Isto já é uma premissa comprovada.

Kenji: Muito obrigado! Gostei muito da entrevista e de estar aqui na scruminc.

Após a entrevista, Laura Althoff da scruminc mostrou-me o resultado de busca em um site de empregos no qual havia mais de 400 mil vagas abertas para praticantes do Scrum. Senti, com certeza, de que isto está mudando o mundo!

Leia também:

As raízes do Scrum, por Jeff Sutherland
Métodos Ágeis e Scrum - guia de leitura



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